O Terceiro Homem - Graham Greene
Sinopse
O Terceiro Homem é soberbamente ambientado na Viena pós-segunda Guerra Mundial, dividida e governada por quatro potências estrangeiras: URSS, Inglaterra, França e EUA. Rollo Martins, um romancista de segunda linha, chega à cidade sem um centavo sequer, para visitar Harry Lime, seu inescrupuloso amigo de longa data. Logo descobre que Harry morreu, e em circunstâncias muito suspeitas. Enquanto se faz passar por um célebre escritor, ele dá início à sua própria investigação e busca respostas à pergunta: o que Harry fez para merecer a morte? O Terceiro Homem (escrito em 1949 como argumento para o filme de mesmo nome, dirigido e estrelado por Orson Welles) é uma das mais importantes narrativas breves de Graham Greene (1904-1991); autor que como ninguém se debruçou sobre os meandros do mundo da espionagem e da Guerra Fria.
Prólogo
O Terceiro Homem não foi escrito para ser lido, mas para ser visto. Tal como muitas
ligações amorosas, começou a uma mesa de jantar e continuou, com muitas dores de cabeça,
em vários locais: Viena, Veneza, Ravelo, Londres, Santa Mônica.
Suponho que a maior parte dos romancistas traz nas suas cabeças ou blocos de
apontamentos as primeiras idéias para histórias que nunca chegam a ser escritas. Por
vezes lembramo-nos delas passados muitos anos e pensamos com pesar que deveriam ter sido
boas, num tempo agora morto. Há anos, num sobrescrito, escrevi um parágrafo de abertura:
despedira-me de Harry havia uma semana quando o seu caixão foi descido no solo gelado de
Fevereiro, e foi portanto com incredulidade que o vi passar, sem um indício de reconhecimento,
entre o enxame de estranhos na Strand. Eu, assim como o meu herói, perseguira Harry, e por
isso, quando Sir Alexandre Korda me pediu que escrevesse um filme para Carol Reed, para se
seguir ao nosso ídolo caído, não tinha mais nada para oferecer do que este parágrafo. Embora
Korda quisesse um filme sobre a ocupação das Quatro Potências em Viena, estava preparado
para me deixar seguir na pegada de Harry Lime.
É-me quase impossível escrever um argumento para um filme sem primeiro escrever uma
história. Até um filme depende, além do enredo, de uma certa dose de caracterização, disposição
e atmosfera; e estas pareciam-me quase impossíveis de captar pela primeira vez num script.
Pode reproduzir-se um efeito apanhado noutro meio, mas não pode realizar-se o primeiro
ato da criação em forma de script. Deve-se ter a noção daquilo de que se precisa. O Terceiro
Homem, pois, embora não escrito para ser publicado, teve de começar como uma história,
perante as aparentemente intermináveis transformações de um tratamento para outro.
Nestes tratamentos, Carol Reed e eu trabalhamos conjuntamente, calcorreando muitos
metros de alcatifa por dia, representando cenas um para o outro. Não houve terceiro que se nos
reunisse; não há nada que valha as discussões objetivas entre duas pessoas. Para o romancista,
claro, o seu trabalho é o melhor que consegue fazer com um tema específico; não pode deixar de
ressentir muitas das alterações necessárias para o tornar num filme ou numa peça; mas O
Terceiro Homem nunca pretendeu ser mais do que material para um filme. O leitor notará muitas
diferenças entre a história e o filme e não deverá pensar que essas alterações foram foradas ou
contra a vontade do autor, como também é provável não terem sido sugeridas por ele. O filme,
na verdade, é melhor do que a história, porque, neste caso, é o estado acabado da história.
Algumas destas alterações têm razões superficiais óbvias. A escolha de uma estrela
americana em vez de inglesa envolveu certas alterações. Por exemplo, Mr. Joseph Cotten opôs-se
ao nome Rollo. O nome teria de ser absurdo, e o nome Holley ocorreu-me quando me lembrei
daquela figura divertida que foi o poeta americano Thomas Holley Chicers. Também um
americano dificilmente se poderia deixar confundir com o grande escritor inglês Dexter, cujo
caráter literário tinha certas semelhanças com o gênero terno de Mr. E. M. Forster. A confusão
de identidades teria sido impossível, mesmo que Carol Reed não se tivesse justamente oposto a
uma situação que envolvia tantas explicações que tornavam ainda mais comprido o filme, já de si
longo. Outro ponto de menor importância: por deferência para com a opinião americana,
um romeno foi substituído por Cooler, uma vez que Mr. Orson Welles já nos tinha fornecido um
vilão americano.