Miloca - Machado de Assis
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Prólogo
D. Pulquéria da Assunção era uma senhora de seus sessenta anos, arguta, devota,
gorda, paciente, crônica viva, catecismo ambulante. Era viúva de um capitão de cavalaria
que morrera em Monte Caseros deixando-lhe uma escassa pensão e a boa vontade de
um irmão mais moço que possuía alguma cousa. Rodrigo era o nome desse único
parente a quem o Capitão Lúcio confiara D. Pulquéria na ocasião de partir para o Rio da
Prata. Era bom homem, generoso e franco; D. Pulquéria não sentiu muito por esse lado a
morte do marido.
Infelizmente, o cunhado não era tão remediado como parecia à viúva, e além disso não
tinha meios nem tino para fazer crescer os poucos cabedais que ajuntara durante longos
anos no negócio de armarinho. O estabelecimento de Rodrigo, excelente e afreguesado
em outros tempos, não podia competir com os muitos estabelecimentos modernos que
outros comerciantes abriram no mesmo bairro. Rodrigo vendia de vez em quando algum
rapé, lenços de chita, agulhas e linhas, e outras cousas assim; sem poder oferecer ao
freguês outros gêneros que aquele ramo de negócio havia adotado. Quem lá ia procurar
um corte de vestido, uma camisa feita, uma bolsa, um sabonete, uns brincos de vidrilho,
tinha o desgosto de voltar com as mãos vazias. Rodrigo estava atrás do seu tempo; a
roda começou a desandar-lhe. Além deste inconveniente, Rodrigo era generoso e franco,
como disse acima, de maneira que, se por um lado não lhe crescia a bolsa, por outro ele
próprio a desfalcava.