O Mulato - Aluísio Azevedo
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Sinopse
O mulato é o segundo romance de Aluísio Azevedo, escrito no ano de 1881. Foi responsável pelo início do naturalismo no Brasil.
Denúncia do preconceito racial na sociedade maranhense e da corrupção do clero, o livro irritou os comprovincianos de Aluísio a ponto de o escritor resolver mudar-se para a Corte, onde faria sucesso. Encontra-se atualmente em domínio público de acordo com as leis autorais do Brasil.
Prólogo
Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida
pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam; as vidraças e os lampiões faiscavam
ao sol como enormes diamantes, as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores
nem se mexiam; as carroças d’água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios; e os
aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçadas, invadiam sem-cerimônia as casas para encher
as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava concentrado,
adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho.
A Praça da Alegria apresentava um ar fúnebre. De um casebre miserável, de porta e janela,
ouviam-se gemer os armadores enferrujados de uma rede e uma voz tísica e aflautada, de mulher,
cantar em falsete a “gentil Carolina era bela”; do outro lado da praça, uma preta velha, vergada por
imenso tabuleiro de madeira, sujo, seboso, cheio de sangue e coberto por uma nuvem de moscas,
apregoava em tom muito arrastado e melancólico: “Fígado, rins e coração!’’ Era uma vendedeira de
fatos de boi. As crianças nuas, com as perninhas tortas pelo costume de cavalgar as ilhargas maternas,
as cabeças avermelhadas pelo sol, a pele crestada os ventrezinhos amarelentos e crescidos, corriam e
guinchavam, empinando papagaios de papel. Um ou outro branco, levado pela necessidade de sair,
atravessava a rua, suado, vermelho, afogueado, à sombra de um enorme chapéu-de-sol.