Girândola de Amores - Aluísio Azevedo
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Sinopse
O que leva um ser humano ao encontro das letras e ao fazer poético? Uma faísca da inspiração divina, uma necessidade incoercível de expressar o que lhe vai na alma, um desejo de escrever o mundo real como se fosse uma mimese. Tudo isso ou parte disso ou uma variação disso... Para Aluísio Azevedo nada disso. Sobre ele paira a acusação de escrever por interesse financeiro direto. Uma necessidade e um desejo de sair da província e sobreviver na metrópole, o Rio de Janeiro, por quaisquer meios - e o ofício de escritor seria um deles apenas. Intenções corriqueiras entre tantos jovens e velhos, embora problemáticas para um filho de comerciante do qual o pai esperava a continuidade nos negócios familiares. Desejo filial tornado possível com a morte paterna e a necessidade de uma fuga dos desafetos que proliferaram na cidade natal a partir do lançamento da primeira obra: O mulato, um violento libelo contra os preconceitos raciais e o modelo de estratificação social vigentes no Brasil de modo geral e tão evidentes nas tratativas provincianas. Aquela acusação encontra prova no abandono do ofício de escritor tão logo conseguiu outra atividade que o permitisse sobreviver. Nomeado para o serviço consular, o autor parou de escrever literatura e jamais cumpriu sua documentada intenção de fazer uma espécie de comédia humana de brasileiros antigos e modernos.
Prólogo
O RAPTO
Clorinda acabava de pôr o seu véu de noiva e, de costas para o espelho,
olhava por sobre o ombro a cauda do vestido.
A velha Januária pregava-lhe com muita solicitude o último alfinete dourado,
e, como representasse para ela o papel de mãe, repetia-lhe baixinho, com a voz
comovida e os óculos embaçados pelas lágrimas, os invariáveis conselhos
adequados à situação.
Aos pés de Clorinda, ajoelhada no tapete, uma mucama arranjava-lhe
cuidadosamente a barra do vestido, compunha e ordenava os folhos e desfazia e
ajeitava as pregas do cetim.
E a noiva, toda enlevada na cerimônia daquela roupa, sorria sem saber de
quê e sentia enrubescerem-se-lhe as faces por uma delicada previsão do seu pudor.
Estava linda assim toda de branco, com o seu longo véu de filó, que lhe
envolvia o busto gracioso, deixando todavia perceber o doce relevo da cabeça,
engrinaldada de pálidas flores de laranjeira.
Tinha os olhos azuis, muito transparentes, a tez de uma brancura imaculada,
os cabelos entre louro e castanho, os dentes adoráveis e a boca um mimo cor-derosa.