Discurso sobre a História da Literatura do Brasil - Gonçalves de Magalhães
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Prólogo
A literatura de um povo é o desenvolvimento do que ele tem de mais sublime nas idéias,
de mais filosófico no pensamento, de mais heróico na moral e de mais belo na natureza; é o
quadro animado de suas virtudes e de suas paixões, o despertador de sua glória e o reflexo
progressivo de sua inteligência. E, quando esse povo, ou essa geração, desaparece da superfície
da terra, com todas as suas instituições, crenças e costumes, escapa a literatura aos rigores do
tempo para anunciar às gerações futuras qual fora o caráter e a importância do povo, do qual é ela
o único representante na posteridade. Sua voz, como um eco imortal, repercute por toda parte, e
diz: em tal época, debaixo de tal constelação e sobre tal ponto do globo existia um povo cuja
glória só eu a conservo, cujos heróis só eu conheço. Vós, porém, se pretendeis também conhecêlo,
consultai-me, porque eu sou o espírito desse povo e uma sombra viva do que ele foi.
Cada povo tem sua história própria, como cada homem seu caráter particular, cada árvore
seu fruto específico, mas esta verdade incontestável para os primitivos povos, algumas
modificações, contudo, experimenta entre aqueles cuja civilização apenas é um reflexo da
civilização de outro povo. Então, como nas árvores enxertadas, vêm-se pender dos galhos de um
mesmo tronco frutos de diversas espécies. E, posto que não degenerem muito, os do enxerto
brotaram, contudo algumas qualidades adquirem, dependentes da natureza do tronco que lhes dá
o nutrimento, as quais os distinguem dos outros frutos da mesma espécie. Em tal caso, marcham a
par as duas literaturas e distinguir-se pode a indígena da estrangeira.
Em outras circunstâncias, como as águas de dois rios, que em