Jogo do Bicho - Machado de Assis
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Prólogo
CAMILO — ou Camilinho, como lhe chamavam alguns por amizade — ocupava em um
dos arsenais do Rio de Janeiro (Marinha ou Guerra) um emprego de escrita. Ganhava
duzentos mil-réis por mês, sujeitos ao desconto de taxa e montepio. Era solteiro, mas um
dia, pelas férias, foi passar a noite de Natal com um amigo no subúrbio do Rocha; lá viu
uma criaturinha modesta, vestido azul, olhos pedintes. Três meses depois estavam
casados.
Nenhum tinha nada; ele, apenas o emprego, ela as mãos e as pernas para cuidar da
casa toda, que era pequena, e ajudar a preta velha que a criou e a acompanhou sem
ordenado. Foi esta preta que os fez casar mais depressa. Não que lhes desse tal
conselho; a rigor, parecia-lhe melhor que ela ficasse com a tia viúva, sem obrigações,
nem filhos. Mas ninguém lhe pediu opinião. Como, porém, dissesse um dia que, se sua
filha de criação casasse, iria servi-la de graça, esta frase foi contada a Camilo, e Camilo
resolveu casar dous meses depois. Se pensasse um pouco, talvez não casasse logo; a
preta era velha, eles eram moços, etc. A idéia de que a preta os servia de graça, entrou
por uma verba eterna no orçamento.