Longe dos Olhos - Machado de Assis
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Prólogo
Na verdade, era pena que uma moça tão prendada de qualidades morais e físicas, como
a filha do desembargador, nenhum sentimento inspirasse ao bacharel Aguiar. Mas não a
lastime a leitora, porque o bacharel Aguiar nada dizia ao coração de Serafina, apesar dos
seus talentos, da rara elegância das suas maneiras, de todos quantos dotes costumam
adornar um herói de romance.
E não é romance isto, senão história verídica e real, pelo que, vai esta narrativa com as
exíguas proporções de uma notícia, sem enfeites de estilo nem recheio de reflexões. O
caso conto como o caso foi.
Sabido que os dois se não amavam nem pendiam para lá, convém saber mais que o
gosto, o plano e não sei se também o interesse dos pais é que eles se amassem e
casassem. Os pais punham uma coisa, e Deus dispunha outra. O comendador Aguiar, pai
do bacharel, insistia ainda mais no casamento, pelo desejo que tinha de o meter na
política, o que lhe parecia fácil desde que o filho se tornasse genro do desembargador,
membro ativíssimo de um dos partidos e por agora deputado à Assembléia Geral.
O desembargador pela sua parte achava que lhe não fazia mal nenhum a filha participar
da pingue herança que devia receber o filho do comendador, por morte deste.
Pena era que os dois jovens, esperanças de seus pais, derrubassem todos estes planos
olhando um para o outro com a máxima indiferença. As famílias visitavam-se
freqüentemente, as reuniões e as festas sucediam-se, mas nem Aguiar nem Serafina
pareciam dar um passo para o outro. Tão grave caso exigia pronto remédio, e foi o
comendador quem tomou a resolução de lho dar sondando o espírito do bacharel.