Muitos Anos Depois - Machado de Assis
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Prólogo
Tinha vinte e sete anos o padre Flávio, quando começou a carreira de pregador para a
qual se sentia arrastado por uma vocação irresistível. Teve a felicidade de ver começada
a sua reputação desde as primeiras prédicas, que eram ouvidas com entusiasmo por
homens e mulheres. Alguns inimigos que a fortuna lhe dera por confirmação do seu
mérito, diziam que a eloqüência do padre era insossa e fria. É pena dizer que esses
adversários do padre vinham da sacristia, e não da rua.
Bem pode ser que entre os admiradores do padre Flávio alguns fossem mais entusiastas
das suas graças que dos seus talentos — para ser justo, gostavam de ouvir a palavra
divina proferida por uma graciosa boca. Efetivamente o padre Flávio era uma soberba
figura; a sua cabeça tinha uma forma escultural. Se a imagem não ofende os ouvidos
católicos, direi que parecia Apolo convertido ao Evangelho. Tinha magníficos cabelos
pretos, olhos da mesma cor, nariz reto, lábios finos, a testa lisa e polida. O olhar ainda
que sereno, tinha uma expressão de severidade, mas sem afetação. Aliavam-se naquele
rosto a graça profana e a austeridade religiosa, como duas coisas irmãs, dignas
igualmente da contemplação divina.