Só! - Machado de Assis
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Prólogo
BONIFÁCIO, depois de fechar a porta, guardou a chave, atravessou o jardim e meteu-se
em casa. Estava só, finalmente só. A frente da casa dava para uma rua pouco
freqüentada e quase sem moradores. A um dos lados da chácara corria outra rua. Creio
que tudo isso era para os lados de Andaraí.
Um grande escritor, Edgar1 Poe, relata, em um de seus admiráveis contos, a corrida
noturna de um desconhecido pelas ruas de Londres, à medida que se despovoam, com o
visível intento de nunca ficar só. "Esse homem, conclui ele, é o tipo e o gênio do crime
profundo; é o homem das multidões."* Bonifácio não era capaz de crimes, nem ia agora
atrás de lugares povoados, tanto que vinha recolher-se a uma casa vazia. Posto que os
seus quarenta e cinco anos não fossem tais que tornassem inverossímil uma fantasia de
mulher, não era amor que o trazia à reclusão. Vamos à verdade: ele queria descansar da
companhia dos outros. Quem lhe meteu isso na cabeça — sem o querer nem saber — foi
um esquisitão desse tempo, dizem que filósofo, um tal Tobias que morava para os lados
do Jardim Botânico. Filósofo ou não, era homem de cara seca e comprida, nariz grande e
óculos de tartaruga.