Cantiga Velha - Machado de Assis
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Prólogo
Conversávamos de cantigas populares. Entre o jantar e o chá, quatro pessoas tãosomente,
longe do voltarete e da polca, confessem que era uma boa e rara fortuna. Polca
e voltarete são dous organismos vivos que estão destruindo a nossa alma; é
indispensável que nos vacinem com a espadilha e duas ou três oitavas do Caia no beco
ou qualquer outro título da mesma farinha. Éramos quatro e tínhamos a mesma idade. Eu
e mais dous pouco sabíamos da matéria; tão-somente algumas reminiscências da
infância ou da adolescência. O quarto era grande ledor de tais estudos, e não só possuía
alguma cousa do nosso cancioneiro, como do de outras partes. Confessem que era um
regalo de príncipes.
Esquecia-me dizer que o jantar fora copioso; notícia indispensável à narração, porque um
homem antes de jantar não é o mesmo que depois do jantar, e pode-se dizer que a
discrição é muitas vezes um momento gastronômico. Homem haverá reservado durante a
sopa, que à sobremesa põe o coração no prato, e dá-o em fatias aos convivas. Toda a
questão é que o jantar seja abundante, esquisito e fino, os vinhos frios e quentes, de
mistura, e uma boa xícara de café por cima, e para os que fumam um havana de cruzado.
Reconhecido que isto é uma lei universal, admiremos os diplomatas que, na vida contínua
de jantares, sabem guardar consigo os segredos dos governos. Evidentemente são
organizações superiores.