O Anjo das Donzelas - Machado de Assis
Download no computador / eBook Reader / Mobile
189 kb
Prólogo
Cuidado, caro leitor, vamos entrar na alcova de uma donzela.
A esta notícia o leitor estremece e hesita. É naturalmente um homem de bons costumes,
acata as famílias e preza as leis do decoro público e privado. É também provável que já
tenha deparado com alguns escritos, destes que levam aos papéis públicos certas teorias
e tendências que melhor fora nunca tivessem saído da cabeça de quem as concebeu e
proclamou. Hesita e interroga a consciência se deve ou não continuar a ler as minhas
páginas, e talvez resolva não prosseguir. Volta a folha e passa a coisa melhor.
Descanse, leitor, não verá neste episódio fantástico nada do que se não pode ver à luz
pública. Eu também acato a família e respeito o decoro. Sou incapaz de cometer uma
ação má, que tanto importa delinear uma cena ou aplicar uma teoria contra a qual
proteste a moralidade.
Tranqüilize-se, dê-me o seu braço, e atravessemos, pé ante pé, a soleira da alcova da
donzela Cecília.
Há certos nomes que só assentam em certas criaturas, e que quando ouvimos pronunciálos
como pertencentes a pessoas que não conhecemos, logo atribuímos a estas os dons
físicos e morais que julgamos inseparáveis daqueles. Este é um desses nomes. Veja o
leitor se a moça que ali se acha no leito, com o corpo meio inclinado, um braço nu
escapando-se do alvo lençol e tendo na extremidade uma mão fina e comprida, os
cabelos negros, esparsos, fazendo contraste com a brancura da fronha, os olhos meio
cerrados lendo as últimas páginas de um livro, veja se aquela criatura pode ter outro
nome, e se aquele nome pode estar em outra criatura.