Uma por Outra - Machado de Assis
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Prólogo
ERA POR SESSENTA e tantos... Musa, lembra-me as causas desta paixão
romântica, conta as suas fases e o seu desfecho. Não fales em verso, posto que
nesse tempo escrevi muitos. Não; a prosa basta, desataviada, sem céu azuis nem
garças brancas, a prosa do tabelião que sou neste município do Ceará.
Era no Rio de Janeiro. Tinha eu vinte anos feitos e malfeitos, sem alegrias,
longe dos meus, no pobre sótão de estudante, à Rua da Misericórdia. Certamente
a vida do estudante de matemáticas era alegre, e as minhas ambições, depois do
café e do cigarro, não iam além de um e outro teatro, mas foi isto mesmo que me
deitou "uma gota amarga na existência". É a frase textual que escrevi em uma
espécie de diário daquele tempo, rasgado anos depois. Foi no teatro que vi uma
criaturinha bela e rica, toda sedas e jóias, com o braço pousado na borda do
camarote, e o binóculo na mão. Eu, das galerias onde estava, dei com a pequena
e gostei do gesto. No fim do primeiro ato, quando se levantou, gostei da figura. E
daí em diante, até o fim do espetáculo, não tive olhos para mais ninguém, nem
para mais nada; todo eu era ela.