Antes a Rocha Tarpéia - Machado de Assis
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Prólogo
Como é que me achei ali em cima? Era um pedaço de telhado, inclinado, velho,
estreitinho, com cinco palmos de muro por trás. Não sei se fui ali buscar alguma coisa;
parece que sim, mas qualquer que ela fosse, tinha caído ou voado, já não estava comigo.
Eu é que fiquei ali no alto, sozinho, sem nenhum meio de voltar abaixo.
Começara a entender que era pesadelo. Já lá vão alguns anos. A rua ou estrada em que
se achava aquela construção era deserta. Eu, do alto, olhava para todos os lados sem
descobrir sombra de homem. Nada que me salvasse; pau nem corda. Ia aflito de um para
outro lado, vagaroso, cauteloso, porque as telhas eram antigas, e também porque o
menor descuido far-me-ia escorregar e ir ao chão. Continuava a olhar ao longe, a ver se
aparecia um salvador; olhava também para baixo, mas a idéia de dar um pulo era
impossível; a altura era grande, a morte certa.
De repente, sem saber de onde tinham vindo, vi em baixo algumas pessoas, em pequeno
número, andando, umas da direita, outras da esquerda. Bradei de cima à que passava
mais perto:
— Ó senhor! acuda-me!
Mas o sujeito não ouviu nada, e foi andando. Bradei a outro e outro; todos iam passando
sem ouvir a minha voz. Eu, parado, cosido ao muro, gritava mais alto, como um trovão. O
temor ia crescendo, a vertigem começava; e eu gritava que me acudissem, que me
salvassem a vida, pela escada, corda, um pau, pedia um lençol, ao menos, que me
apanhasse na queda. Tudo era vão. Das pessoas que passavam só restavam três, depois
duas, depois uma. Bradei a essa última com todas as forças que me restavam:
— Acuda! acuda!
Era um rapaz, vestido de novo, que ia andando e mirando as botas e as calças. Não me
ouviu, continuou a andar, e desapareceu.
Ficando só, nem por isso cessei de gritar. Não via ninguém, mas via o perigo. A aflição
era já insuportável, o terror chegara ao paroxismo... Olhava para baixo, olhava para longe,
bradava que me acudissem, e tinha a cabeça tonta e os cabelos em pé... Não sei se
cheguei a cair; de repente, achei-me na cama acordado.